O povo indígena é parceiro nesta pesquisa de conservação cultural

O estudo liderado por Thiago Puglieri, da UCLA, incorpora contribuições significativas da comunidade Tikuna da região amazônica

Thiago Puglieri analisa uma máscara do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo

Ader Gotardo

Thiago Puglieri, professor de história da arte da UCLA, analisa uma máscara do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.

Sean Brenner | December 5, 2025

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Um novo estudo realizado por pesquisadores da UCLA, do Museu de Arte do Condado de Los Angeles e da Universidade de São Paulo não apenas lança luz sobre um pigmento azul único da Amazônia, mas também deu um passo altamente incomum ao incluir membros de comunidade indígenas em todas as etapas de um projeto de pesquisa sobre suas próprias práticas culturais e artísticas.

O artigo, publicado na revista “Studies in Conservation”, concentra-se no “azul Tikuna”, um corante único criado pelo povo Tikuna, que vive perto das fronteiras do Brasil, Peru e Colômbia. Ele também incentiva museus e pesquisadores da área de conservação a repensarem os materiais que estudam e valorizam, e a desenvolverem programas de pesquisa que reconheçam os criadores indígenas como colaboradores, e não como meros objetos de estudo.

O autor principal do estudo é Thiago Puglieri, professor de história da arte na UCLA e membro do Programa Interdepartamental UCLA/Getty em Conservação do Patrimônio Cultural.

O azul Tikuna é produzido pela mistura do suco roxo de um fruto chamado naīcü com ferro, uma receita que tem sido transmitida por gerações, mas que nunca havia sido investigada cientificamente até agora. Embora Puglieri trabalhe com história da arte, sua formação acadêmica é em química, e o novo artigo inclui uma análise científica do azul Tikuna – sua composição química, propriedades de cor e resistência à descoloração (ou seja, sua resistência à alteração de cor ao longo do tempo quando exposto à luz).

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Thiago Puglieri/UCLA

Fibra tingida com azul Tikuna.

Ao contrário do modelo tradicional em que os acadêmicos estudam uma cultura ou práticas culturais à distância, Puglieri e seus colegas basearam-se fortemente na contribuição da comunidade sobre a qual estavam escrevendo. Essa abordagem, conhecida como pesquisa participativa baseada na comunidade, é comumente utilizada em áreas como saúde pública e ciências sociais, mas ainda é rara na história da arte e na ciência da conservação de obras de arte.

O nome azul Tikuna foi sugerido por três associações de mulheres artesãs Tikuna: Associação das Mulheres Indígenas Artesãs, ou AMATU; Associação das Mulheres Indígenas Ticuna, ou AMIT; e Associação das Mulheres Indígenas de Porto Cordeirinho, ou AMIPC. Além disso, membros da comunidade trabalharam com os cientistas para preparar amostras de laboratório e organizar um workshop para 200 pessoas sobre educação intercultural – abordagens de ensino inspiradas tanto na cultura indígena como nas práticas ocidentais contemporâneas.

E eles continuam a colaborar, desenvolvendo materiais para aulas de química intercultural destinadas às escolas Tikuna.

Puglieri afirmou que um princípio fundamental do trabalho é tratar o azul Tikuna como parte viva do patrimônio da comunidade, e não apenas como uma substância química, e que a equipe de pesquisa está focada na “transmissão e preservação colaborativa do conhecimento tradicional”.

“Tradicionalmente, como pesquisadores, temos nossas próprias perguntas, nossas próprias hipóteses”, disse ele. “Definimos os métodos e coletamos e determinamos como usar os dados. Na pesquisa participativa baseada na comunidade, trabalhamos com as necessidades das comunidades.”

“Membros da comunidade têm um papel fundamental em levantar questões, definir hipóteses, escolher métodos e decidir como usar os dados. Todos trabalham juntos para definir quais estratégias funcionariam melhor.”

Como químico, Puglieri disse que sempre aspirou a trabalhar mais de perto com as comunidades, mas essa prática é extremamente rara nas ciências físicas. Sua abordagem de pesquisa começou a mudar por volta de 2016, quando ele começou a colaborar com colegas da museologia.

“Alguns dos principais objetivos da ciência são melhorar o bem-estar, a dignidade e a capacidade dos seres humanos de viver de forma sustentável e significativa”, disse ele. “Portanto, trabalhar junto de comunidades é essencial.”

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Maxim Repetto

Oficina de educação intercultural organizada por Thiago Puglieri e colaboradores da Amazônia brasileira.

O estudo faz parte de um movimento crescente que visa trazer um equilíbrio mais justo para a ciência da conservação e a história da arte. Esses campos há muito tempo priorizam materiais valorizados por museus ocidentais, como tintas a óleo europeias e pigmentos antigos do Mediterrâneo, negligenciando aqueles usados ​​por povos indígenas. De acordo com Puglieri, esse desequilíbrio não é apenas uma falha; reflete atitudes e práticas coloniais de longa data que, durante séculos, definiram qual arte era considerada digna de estudo.

Ao trabalharem com a comunidade Tikuna, os autores dão um passo em direção à reversão dessa dinâmica e à introdução de uma estrutura ética diferente para a pesquisa em suas áreas. Em uma declaração preparada, três dos colaboradores Tikuna escreveram que a abordagem de pesquisa participativa ajuda a reconhecer e proteger o conhecimento cultural fundamental.

“Participar de um projeto como este dá mais visibilidade à cultura e à identidade Tikuna”, escreveram Elizabeth Peres de Souza e Dayanny Peres de Souza, ambas da AMATU, e Salomão Inácio Clemente. “O projeto deu oportunidade para as artesãs Tikuna de tomar decisões para o fortalecimento da voz feminina na prática de fazer a tinta de forma tradicional e ancestral. Isso significa respeito pela nossa cultura por parte do Professor Puglieri.”

Quanto à química do azul Tikuna, os pesquisadores relatam que o colorante é uma mistura frágil, porém complexa, de pigmentos vegetais, pectina natural e íons de ferro — quimicamente semelhante às estruturas que dão a cor azul às flores.

Os outros autores do artigo são Rômulo Augusto Ando e Adalberto Vasconcelos Sanches de Araújo, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, e Laura Maccarelli, do Museu de Arte do Condado de Los Angeles. O Museu Magüta, no Brasil, facilitou a conexão entre os pesquisadores e os membros da comunidade (Magüta é outro nome para o povo Tikuna) e disponibilizou itens de sua coleção para análise pelos pesquisadores. O Instituto de Natureza e Cultura do campus Benjamin Constant da Universidade Federal do Amazonas também prestou apoio ao projeto.

“Reavaliar os valores e práticas canônicas ocidentais que normalmente orientam a análise de materiais na história da arte técnica e na ciência da conservação é crucial para ajudar a promover uma visão mais global e inclusiva da história da arte e para aumentar o impacto social da pesquisa em ciência do patrimônio”, escreveram os autores no artigo. “Isso significa descolonizar esses campos e deslocar a cultura material indígena e seus povos – juntamente com muitas outras formas de arte, culturas e povos – das márgens para o centro.”